Dzi

A Lennie Dale, Wagner Ribeiro, Wagner Mello, Cláudio Gaya, Cláudio Tovar, Ciro Barcelos, Reginaldo de Poli, Bayard Tonelli, Rogério de Poli, Paulo Bacellar, Benedictus Lacerda, Carlinhos Machado e Eloy Simões.
“E assim nas calhas de roda / Gira, a entreter a razão, / Esse comboio de corda / Que se chama coração.” Fernando Pessoa.

Salto alto...dançam as letras, dançam as palavras!
Dançam os costumes, dança a tradição!
Dançam os versos desta lavra!
Dançam ditadores e dançam tiranos,

Dançam os sonhos no coração!
Dançam os plebeus e soberanos!
Dança Chaplin segurando o Mundo!
Dançam os Dzi Croquettes!

Dançam os Censores num sono profundo!
Dançam tesouras e canivetes!
Dançam todos no Ton-Ton!
E as buzinas imprimem seu tenaz fon-fon!

Salto alto!... Contracultura!
Beco das Garrafas!
Dançam vampiros sobre as sepulturas!
Dessa dança ninguém se safa!

O Luxo do Lixo, ou o Lixo do Luxo?
A força do macho e a graça da fêmea...
Dançam os bruxos!
Danças 13 almas gêmeas!

Gente computada igual você!
Computada antes da Internet...
Computada com plumas e paetês!
Dançam trincando sabonetes e tabletes!

Tinindo trincando assim falou Zaratustra!
Dançam pelo Brasil e pela Europa!
Dançam sapatilhas e a cena lustra!
E os pés doloridos a ribalta de sangue ensopa!




Por Daniel Barbosa

Quando o assunto é ditadura militar, a classe artística brasileira sempre lamentou – e com razão – as mazelas do período negro, mas dificilmente lembrou de capítulos debochados e escrachados, brilhantes e coloridos que marcaram a história da nossa arte. No limbo de uma era de trevas ficaram as peripécias performáticas de Dzi Croquettes, grupo de teatro carioca que revolucionou os palcos do Brasil e da Europa com muita irreverência nos anos 70 e início da década de 80. Quase 30 anos depois das últimas apresentações, a trupe ganhou as telas de cinema com o documentário Dzi Croquettes, de Tatiana Issa e Raphael Alvarez.

Além de resgatar engenhosa manifestação cultural, os diretores apresentaram o grupo de 13 bailarinos e atores à nova geração, que, além de admirar a originalidade do Dzi, repete a intrigante pergunta: como eles conseguiram driblar a ditadura militar? E driblaram mesmo. Tanto que o drible é sustentado pela abertura do filme, que inicia com flashes do cenário político de 64 e o AI-5 de 1968, que boicotou aproximadamente 450 peças de teatro, 500 obras cinematográficas e 1000 letras de músicas. E o Dzi? Enquanto isso, o Dzi desfilava sua androginia em corpos torneados, peludos e purpurinados, sob luzes e refletores, envoltos em boás e mínimos trajes femininos, montados em saltos altos, coloridos por maquiagem pesadíssima, e com vozes afeminadas cantavam: “eu não tenho culpa de ser chique assim”.

Chiques? Para a censura, não. Mas quem era a tal censura? Eles não a conheciam. No inicio – e por um bom período – talvez os censores tivessem a mesma visão da menina Tatiana. Eram “palhacinhos”. Ou, numa conceituação mais predominante, o “Dzi” era um “bando de viado”. E o bando arrebatou hordas de tietes. Todos queriam ver Dzi Croquettes, todos queriam ser Dzi Croquettes. Dzi Croquettes virou estado de espírito e distinguiu momentos da contracultura e do desbunde brasileiro. Então o sistema entendeu que a seminudez dos corpos apocalípticos ia além do cômico, do farsesco e do grotesco. Com a “força do macho e a graça da fêmea” – slogan da trupe –, afrontavam as privações da época, tentavam explicar que “a vida é um cabaré”, como diz o “pai” da família Dzi Croquettes, o bailarino Lennie Dale, em trecho do filme. E o exílio levou-os a fazer o cabaré em Paris, onde conquistaram cartazes do show business, como as atrizes Lisa Minelli e a belle de jour, Catherine Deneuve, a cantora e atriz Josephine Baker, o estilista Valentino e, sobretudo, os palcos franceses. Provaram que eram “das internacionais”.

No filme, a trajetória da “família” Dzi Croquettes é narrada pela mescla de histórias de vida: as memórias da diretora – filha de Américo Issa, que trabalhou na equipe técnica do Dzi; por relatos biográficos – de artistas que acompanharam e tiveram o grupo como inspiração; e por depoimentos autobiográficos – dos últimos componentes Ciro Barcelos, Benedicto Lacerda, Cláudio Tovar, Bayard Tonelli e Reginaldo de Poly – já “viraram purpurina”, como diz a  narrativa de Issa: Wagner Ribeiro, Cláudio Gaya, Roberto de Rodriguez, Paulo Bacellar (Paolette), Carlinhos Machado, Rogério de Poly, Eloy Simões e Lennie Dale.



A vida de Dale daria um filme à parte. Experiente nos palcos da Broadway, o bailarino deu maturidade artística ao grupo, renovou a dança no Brasil e revolucionou a música verde-amarela. Muito criativo e com mãos de ferro, o americano levava os parceiros a encenações magistrais que misturavam o teatro de vivências – o improviso atrelado às experiências do atores – ao musical. Fosse com a lancinante “Assim falou Zaratustra” (Strauss), ou com a animada “Tinindo trincando” (Novos Baianos) ou ainda com a sensualíssima “Dois pra lá, dois pra cá”, na voz de Elis Regina, o espetáculo não saia da linha do atrevimento.

O filme apresenta uma série de curiosidades. O Dzi Croquettes criou e também popularizou muitas expressões e termos usados pelo público gay, principalmente. “Tá boa, santa?”, “arrasa”, “adoro”, “rosetar”, “se jogar”, “rodar a baiana”, a palavra “amor” com o erre arranhado e arrastado – apesar dessa característica, o mote principal do Dzi não era fazer proselitismo a um grupo específico. A identidade sexual do grupo era definida com a frase: “Nem homem. Nem mulher. Gente”. Ou seja: “nem dama nem valete”, e sim dzi croquette. Mais que avaliações  rotuladas, a trajetória dos 13 homens ensandecidos é vital à cultura brasileira, pois foram eles quem acenderam novas luzes no nosso teatro, cultivaram e moldaram outra forma de ser brasileiro e deram mais suavidade a uma época de ingratidão. O filme está aí pra contar a imprescindível história do Dzi Croquettes.

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