A Balada de Nan Goldin














































Um olho roxo, um machucado em forma de coração. Pessoas bebendo, cheirando cocaína, casais na cama logo após manterem relação sexual. Detalhes de banheiros, quartos, cozinhas. Os snapshots de tom confessional e pessimista da americana Nan Goldin cunharam um estilo inconfundível e suas imagens influenciaram fortemente mais de uma geração de fotógrafos. Para o júri do Prêmio Hasselblad de Fotografia de 2007, Goldin é uma das mais influentes artistas de nosso tempo.

Questões de gênero, privacidade, pudor e tabus sociais são fortemente evidenciados em suas fotos, porém, para Goldin, a premissa do seu trabalho não é pensar sobre comportamento, sobre drogas ou sobre os desajustados do mundo. Sua câmera, como ela mesma já disse, é uma extensão do seu braço e, sua fotografia, a necessidade angustiante de reter o fluxo da própria vida. Acima de tudo, a fotografia, para Goldin, é uma atividade protetora, um ato de preservação.

Nascida em 1953, em Washington, numa família judia de classe média, desde cedo teve problemas em casa. Quando tinha 11 anos, sua irmã cometeu suicídio. Aos 14, deixou os pais e foi viver entre amigos, a quem chamava de “família estendida”. Preocupada com o fato de que as memórias de sua irmã começavam a se apagar, ela começou a tirar fotos das pessoas em torno de si, para que não desaparecessem da sua mente: "Meu trabalho é principalmente sobre a memória. É muito importante para mim que eu possa tirar fotos de todos aqueles que estão próximos a mim.”

Em 1978, já em Nova York, ela mergulha em um estilo de vida destrutivo de drogas e álcool e sua câmera registra longas noitadas e relacionamentos abusivos. Na década de 80 essas fotografias transformam-se na série The Ballad of Sexual Dependency – que, inclusive, poderá ser vista nesta edição da Bienal de São Paulo, entre 25 de setembro e 12 de dezembro.

Sobre este trabalho, ela afirma: "Não é sobre o underground nem sobre viciados e prostitutas. É sobre relacionamentos entre homens e mulheres e por que são tão difíceis. Amor vem acompanhado de violência e dor. É sempre um embate entre a autonomia e a dependência."

Nesse diário visual Goldin expõe laços íntimos, angústias e fragilidades das suas relações. Uma vida doméstica entre amores e amizades, mas envolta em tédio e solidão. “O maior significado deste trabalho é como você pode se tornar sexualmente viciado em alguém e isso não ter absolutamente nada a ver com amor”.

O relacionamento com o namorado Brian aparece em algumas fotos. Numa delas, Nan and Brian in bed, ele está nu fumando um cigarro enquanto Goldin aparece deitada atrás dele, com uma expressão de vulnerabilidade e solidão. Ela também registrou a violência do namorado na foto Nan one month after being battered.

Depois de realizadas estas fotos, a autora entendeu um outro aspecto da sua obra: “É sobre a política de gênero. O que é ser mulher, o que é ser homem, quais os seus papéis sociais. As crianças são educadas para serem inseridas nesses papéis e posteriormente isso se transforma em violência”.

Aos 5 anos de idade, Goldin decidiu que não havia nada que seus irmãos homens pudessem fazer que ela não podia. "Um amigo meu me disse que eu nasci com um coração feminista".

A cena pós-punk, gays, travestis, usuários de drogas estiveram incialmente no foco do seu trabalho. No início dos anos 90, Goldin deixa Nova York para viver em Berlim, onde cuidou de um amigo à beira da morte. Sua câmera passa a registrar o avanço da Aids que levou vários dos seus amigos. Há dez anos em Paris - sem falar francês - a fotógrafa vive praticamente isolada. "Não amo mais ninguém. Sou eu e poucos amigos."

Iniciado há 30 anos, o trabalho de Nan Goldin desconstrói os princípios da “boa foto”, virando do avesso as regras, princípios e modos de composição e enquadramento, além de subverter o que é “fotografável” trazendo à tona todas as cores e sombras de um cotidiano de anti-heróis, expondo as vísceras de uma sociedade sem esperança ou salvação.

“Se eu quero tirar uma foto, eu não me importo com a luz. Não me importo com imagens perfeitas. O que me importa é a relação com as pessoas”, afirmou.

Criticada por glamourizar o submundo e as drogas, a fotógrafa respondeu que acha abominável a idéia de “heroin chic” e seu uso para vender roupas e perfumes. Como as novas e diferentes formas de convivência humana são justamente as mais sujeitas à vigilância social, talvez por isso suas imagens tenham despertado tanto interesse e polêmica.

Ao eliminar as fronteiras entre público e privado, a fotógrafa escancara as entranhas de uma vida desgraçadamente arruinada.

Talvez a cultura do sensacionalismo e ainda do reality show dos anos 2000 tenham aumentado a identificação e o reconhecimento ao trabalho de Goldin.

Hoje, suas imagens estão nas principais coleções de arte contemporânea do mundo. No site de leilões artnet um exemplar de uma foto de Goldin custa entre U$ 3 mil e U$ 5 mil. Mas as cifras podem ser maiores, como é o caso de Kathleen at the Bowery Bar, N.Y.C. (1995), leiloada em maio último por U$ 15 mil, pela Bukowskis de Estocolmo, numa tiragem de 15. Ou Joanna laughing, L'Hotel, Paris (1999), vendida pela Phillips de Pury & Company de Londres há exato um ano, por U$ 25,7 mil, em tiragem de 3.

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