Bandalheira Infernal - José Sette


Assisti este filme ontem e ainda não consegui digerir todos aqueles elementos e força expressiva. Como ainda não consegui falar sobre, usurpo palavras alheias que tratam deste belo filme.



Um longa metragem experimental, filmado em 1975, sem história, sem roteiro, sem sinopse, guiado apenas, durante os sete dias de suas filmagens, pelo que era o sentimento da vida, naquele momento opressivo, paranóico, obsessivo, vividos pelos que se sentiam perseguidos. Uma metáfora sobre o conflito ideológico e político do país passado entre a ação e o pensamento conservador de direita, contra uma esquerda que é neurótica, autofágica e confusa. Um filme alegórico sobre a perseguição, a repressão e a desumanização do povo brasileiro pela ditadura militar.

MARÉ TÁ CHEIA!


Era quando o “doce” ainda era “ácido” e os conjurados se reuniam no pier de Ipanema. A mordaça era dupla (e a que apertava mais, podem crer, era a stalinista) e nossos ouvidos eram detonados a “telefonemas”. A saída dos caretas era fazer tudo de uma vez e o mais rápido possível, afinal anunciavam e garantiam que o mundo ia se acabar. Para nós, se acabasse, que importava? Outro melhor, muito melhor, estávamos construindo, pelo menos em nós mesmos, em meio àquela bandalheira infernal.
Foi ele (o que se acabava e de fato se acabou, e no qual hoje em seu entulho vivemos) que o olho-de-peixe do inconfidente José Sette (José de Barros em 78), um pouco à maneira do kino-glass de Dziga Vertov, um pouco ao “Limite” de Peixoto e bastante à sua própria e confidencial maneira, no momento exato da sua derrocada final, registrou em película 35 P&B.
Porém os náufragos de “Bandalheira Infernal” naufragam no asfalto, nos apartamentos de classe média, no trânsito corrosivo das metrópoles, nos morros e florestas da paisagem mágica do Rio de Janeiro, e vivem sempre perseguindo as suas próprias sombras e por elas continuamente sendo perseguidos. Cada quebrada, cada esquina, é a esquina do medo; o medo permanente e neurótico do inesperado, do incerto, do inseguro, o medo, enfim, de si mesmos, de sôfregos penitentes e derradeiros personagens de um mundo que rolou ladeira abaixo. - Mamãe!... O contraponto deste erro cósmico-kármico-pequeno-burguês, tão bem fotografado neste filme, no ato exato de sua cômica tragédia, e que nos exibe o retrato editado e falado daquilo que até hoje nos faz penar neste paraíso em plena América do Sol, do Sal, do Sul, vem na linguagem libertária do seu discurso cinematográfico,na postura irreverente da sua dramaturgia, na poesia hermética da sua criação, e, principalmente, na revelação de uma nova direção de cinema e de um estilo novo; um estilo de cinema-plástico, gráfico e contemporâneo até a alma. Vejam-no agora na tela: “o antigo que foi novo é tão novo como o novo mais novo”. Navegarbrasiliaterra.
Sim, leitor, estamos falando de Arte, sacou? Arte Maior! Biscoito fino, diamante legítimo, coisa rara, muito rara mesmo, nessa atual maré cheia de mediocridade. Algo para os (não poucos, mas raros) que sabem onde encontrar a essência da beleza e senti-la em toda a sua intensidade. Por isso que malandro (aquele que tem olhos livres e vê) tá sabendo que quando maré tá cheia é melhor entrar na areia. Porque na areia tem mais peixe que no mar.


Mario Drumond

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