Lúcifer a solta em Holywood por Jefferson Wille Kielwangen

Oscar Wilde costumava afirmar que a pureza e o valor da arte são inversamente proporcionais ao desejo do artista de agradar, seja ao público ou à crítica. Nesse sentido, quanto mais pessoal e subjetiva a obra, maior o seu valor artístico. Longe de mim querer convencer o leitor da veracidade dessa afirmação; deixemos que os acadêmicos resolvam essas questões profundas. Quero, entretanto, aproveitar o critério de Wilde para falar de um cineasta que certamente nunca tentou agradar ninguém com seus filmes.


Kenneth Anger cresceu em Hollywood, literalmente às margens da maior indústria cinematográfica do mundo, para se tornar um dos pioneiros do cinema experimental americano. “Sou mais um poeta do que um vendedor, por isso nunca tentei fazer parte da indústria do cinema comercial”, garante o excêntrico diretor. Começou a ganhar visibilidade a partir de 1950 com seus curtas polêmicos, repletos de sexo e violência. Num primeiro momento, o público indignado reclamou apenas do eventual homoerotismo. Logo, porém, veio a tona o forte teor subversivo de Anger, com suas frequentes alusões à filosofia de Aleister Crowley, denominada Thelema e frequentemente associada ao satanismo.

Apesar dos temas polêmicos, não é fácil rotular o trabalho de Anger. Não há falas; todos os filmes são como longos videoclipes, muito bem editados, antevendo o estilo que hoje em dia é marca registrada das vinhetas da MTV. Grande parte deles é quase incompreensível aos não-iniciados nas artes ocultas, coisa que o diretor não parece considerar um problema, visto que nunca fez nenhum esforço para ser melhor compreendido. Defeito ou virtude, egotrip ou genialidade? Que cada um decida por si, assitindo aos filmes.
22/04/08
Moderador
Um título particularmente interessante é Scorpio Rising, de 1964. Nele vê-se jovens motoqueiros nazistas limpando suas motos e participando de orgias homossexuais, culminando em uma tímida mas perturbadora cena de estupro seguida de acidente automobilístico mortal. "Foi um final perfeito para Scorpio Rising," explica Anger, "porque o signo de escorpião refere-se a sexo e morte, e também rege as máquinas – porque os órgãos sexuais são as máquinas do corpo humano.”

Invocation of my demon brother, de 1969, conta com a inusitada participação de Mick Jagger na trilha sonora. Anger filma um ritual de magia cerimonial e faz referências a uma conhecida obra de Aleister Crowley, Moonchild.

Em Lucifer Rising, de 1973, o próprio Anger participa como ator, no papel de Lúcifer, sugerindo uma visão thelêmica de Lúcifer como um deus da luz, diferente do inimigo malévolo pintado pelo cristianismo. Lógico que esse tipo de idéia incomodou muita gente: o filme foi proibido nos EUA durante muitos anos. Contrariando as expectativas, Lucifer Rising não faz referências ao imaginário cristão, restringindo-se aos antigos deuses egípcios.



Indigesto, surreal e subversivo, Kenneth Anger é perfeito para iniciar essa coluna, que trata, afinal, da marginalidade no cinema. Seus filmes influenciaram diretores como John Waters e David Lynch, entre outros. Longe de meras provocações, seus filmes são experiências estéticas e narrativas que não devem ser ignoradas. Infelizmente, não se encontram para alugar em nossas locadoras, e é muito improvável que algum dia venham a passar na televisão. Aos curiosos, só resta importar os filmes via amazon.com (apenas VHS – ainda não existe em DVD), ou baixá-los de graça via Kazaa ou Emule.

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