Paulo Martins - Um jornalista à deriva






Em “Terra em Transe”, Glauber Rocha levou até às ultimas conseqüências os ideais das teorias que expressou, um cinema que analisasse e interpretasse a historia, lançando um olhar único sobre um momento de impasse da conjuntura política brasileira. Metaforicamente, o filme mostra o caráter de um povo e desenvolve os temas do populismo e do patriarcalismo, em uma resposta ao Golpe, mostrando a falência dos ideais das esquerdas. História de um país fictício, “Eldorado”, que passa por momentos de transição política, “Terra em Transe” transcorre toda a partir do momento em que o jornalista Paulo Martins é morto, seus pensamentos e devaneios levam o espectador a entrar nos momentos decisivos dos rumos políticos daquele país, onde cai um líder populista e outro líder com inspirações fascistas chega ao poder: Dom Felipe Vieira e Porfírio Diaz.

O personagem Paulo Martins jornalista e assessor político transita entre o poder de manipulação política e a subversão poética, na poesia, o personagem contempla a sua liberdade enquanto ser criativo e sua manipulação política é exercida à custa da ignorância do povo. Porém a incompatibilidade entre o sonho poético e a realidade política faz com que o herói se encontre sempre ofegante a procura de um líder para fazer valer os seus ideais.O jornalista ávido por verdade se encontra totalmente dilacerado e sai na busca por uma salvação para o mar de desesperança em que se afundou.

O personagem Paulo Martins é um poeta romântico, acredita que um mundo melhor é possível, porém o personagem tenta romper com seu inconsciente lírico ao pressentir que o seu romantismo, não o levou a lugar algum. Seu lado poeta tem relevância em sua personalidade, sua poesia evoca a “morte como fé e não como temor”. Porém na tentativa de algo em que se agarrar, o personagem se perde em agonia, o jornalista-poeta não sabe o que fazer, um prenúncio da castração do intelectual brasileiro nos anos 70, após o AI-5.

Os rumos políticos de “Eldorado” fazem com que o herói se entregue à angústia e ao desespero, colocando em questão a série de balanços críticos das ilusões do intelectual que anseia por um mundo melhor, mais que tem seu ideal sufocado. O mundo circundante o perturba, uma realidade onde o jogo político faz com que ele se veja sucumbido pelos dilemas de seu idealismo.O jornalista transita no meio dos acontecimentos como se a tudo assistisse e participasse. O filme é metafórico, usa e abusa do lirismo poético para mostrar o jogo de enganações e relações promíscuas e perigosas na política.

Essa inconstância do personagem não foi compreendida por alguns setores da esquerda e da direita, o que fez com que a critica da época se dividisse. Intelectuais da esquerda marxista, sob a perspectiva do filósofo húngaro Georg Lukács e do cineasta soviético Serguei Einsestein, analisaram o personagem sob o ângulo do irracionalismo burguês.Seduzido pelos políticos e donos de jornais de “Eldorado”, Paulo Martins colabora com o líder fascista Porfírio Diaz, que lhe oferece poder, dinheiro e mulheres. Mas ele recusa tudo em nome de suas idéias políticas. Dom Felipe Vieira o leva a conhecer a verdadeira máscara do populismo, onde ele descobre a podridão da esquerda, que abusa do povo para chegar ao poder, usando de uma ideologia para conquistar a massa. Os comícios majestosos organizados por ele, fazem com que seu candidato ganhe as eleições. Porém os patrocinadores da campanha impedem que uma atitude seja tomada quando um líder de sem terra é assassinado.

Dilacerado, Paulo Martins grita a despolitização da massa ignorante, indiferente, bestificada, alheia. Ele vê a massa como um fenômeno espontâneo, mas, entretanto a massa é complexa. No momento que o representante do povo vai falar, o jornalista tapa a boca do líder sindical. Porém, sua namorada Sara, retruca que a culpa não é do povo.Enquanto em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” a expressão da fome é a seca do sertão, em “Terra em Transe” a fome é analisada sob o prisma urbano. A fome de Paulo Martins é a fome por liberdade e ideal.Um pensamento que perturba o jornalista é a questão de como o intelectual poderá superar suas alienações e contradições, buscando atingir uma lucidez revolucionária no mundo subdesenvolvido. Paulo Martins empreende uma luta quixotesca, quando percebe que a sonhada revolução, engendrada por Felipe Vieira não estourou no momento desejado.Veículos de comunicação da época, como os jornais “Tribuna da Imprensa” de Carlos Lacerda e “A Última Hora” de Samuel Wainer, revelavam a influência da comunicação de massa na história do Brasil.

Um jornalismo que caminhava lado a lado dos acontecimentos de seu tempo, tendo o poder de influenciar nos rumos dos fatos. Como no caso da conturbada figura do jornalista Carlos Lacerda, eleito governador do Estado da Guanabara, responsável por liderar e ser pivô de movimentos conservadores da direita, que desencadearam um processo político que contribuiria para que os militares dessem um golpe de Estado no país. O filme problematiza não só o jornalista intelectual brasileiro dos anos 60, que pode ser considerado emblemático até hoje, como também a relação com os meios de comunicação, antecipando o que os estudos midiológicos vieram a mostrar: que o poder político é determinado pelos interesses da mídia e sua manipulação da opinião pública, inclusive o exercício do voto.

Paulo Martins, um jornalista à deriva oscila entre a esquerda e a direita, tendo um comportamento existencial e político hesitante: Diaz-Vieira e Sara-Sílvia. Em dado momento, Sara diz a Paulo que “a política e a poesia são demais para um só homem”. No final do filme, o jornalista-poeta morre num lamento guevarista com a arma na mão, como um mártir.O filme Terra em Transe permanece atual porque os jornalistas (quando não estão conformisticamente integrados ao sistema) continuam à deriva, assim como o país até hoje não conseguiu erradicar a fome, a miséria, o atraso, o analfabetismo e o subdesenvolvimento.do entre o misticismo reacionário de Diaz e o chove-não-molha de Vieira.

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